terça-feira, 11 de agosto de 2009

Teoria Quântica

O ESPÍRITO DO ÁTOMO

A palavra "quantum" significa "quantidade" ou "porção discreta". Na escala cotidiana, estamos acostumados à idéia de que as propriedades de um objeto, tais como seu tamanho, peso, cor, temperatura, área superficial e movimento são qualidades que podem variar de um modo suave e contínuo de um objeto a outro. As maçãs, por exemplo, podem apresentar-se com todo tipo de formas, tamanhos e cores sem apreciáveis diferenças entre duas delas.

Entretanto, na escala atômica as coisas são muito diferentes. As propriedades das partículas atômicas, como seu movimento, energia e spin nem sempre apresentam variações suaves, sendo que, pelo contrário, podem diferir em quantidades discretas. Uma das hipóteses da mecânica clássica era que as propriedades da matéria variavam de modo contínuo. Quando os físicos descobriram que esta noção não estava correta na escala atômica, tiveram que desenvolver um sistema de mecânica completamente novo - a mecânica quântica - para levar em conta as características do comportamento atômico da matéria. A teoria quântica é, então, a teoria subjacente da qual deriva a mecânica quântica.

Se se levar em contar o êxito da mecânica clássica na descrição da dinâmica de todas as classes de objetos, desde bolas de bilhar até as estrelas e planetas, não é surpreendente que sua substituição por um novo sistema mecânico fora considerada uma revolução. Entretanto, os físicos provaram em seguida a validade da teoria mediante a explicação de um amplo gama de fenômenos que, de outro modo, seriam incompreensíveis; tanto que hoje em dia a teoria quântica é freqüentemente citada como a teoria mais gloriosa já criada.
ORIGENS

A teoria quântica teve suas origens vacilantes no ano de 1900, com a publicação de um artigo pelo físico alemão Max Planck. Planck dirigiu sua atenção ao que era todavia um problema não resolvido pela física do século XIX, e que consistia na distribuição entre os diversos comprimentos de onda da energia calorífica irradiada por um corpo quente. Sob certas condições ideais, a energia se distribui de um modo característico, que Planck demonstrou que podia ser explicada supondo que a radiação eletromagnética era emitida pelo corpo em pacotes discretos aos quais chamou "quanta". A razão deste comportamento espasmódico era desconhecida, e simplesmente teria que se aceitar ad hoc.

Em 1905 a hipótese quântica foi estimulada por Einstein, quem explicou de modo satisfatório o chamado efeito fotoelétrico, que consiste na extração de elétrons da superfície de um metal mediante energia luminosa. Para explicar o modo particular de como isto se sucede, Einstein viu-se forçado a considerar o raio luminoso como uma chuva de partículas, posteriormente chamadas fótons. Esta descrição da luz parecia estar em confronto direto com a idéia tradicional, segundo a qual a luz (assim como todo tipo de radiação eletromagnética) consiste em ondas contínuas que se propagam de acordo com a célebre teoria eletromagnética de Maxwell, firmemente estabelecida meio século antes. De fato, a natureza ondulatória da luz havia sido demonstrada experimentalmente, em uma época muito remota, por Thomas Young mediante seu famoso aparelho de "da dupla fenda".

A dicotomia onda-partícula, entretanto, não estava restrita à luz. Os físicos da época estavam também interessados na estrutura dos átomos. Em particular, estavam intrigados acerca de como os elétrons podiam girar ao redor do núcleo sem emitir radiação, pois sabia-se pela teoria eletromagnética de Maxwell que quando as partículas carregadas seguem caminhos curvilíneos irradiam energia eletromagnética. Se isto ocorre continuamente, os elétrons atômicos, que estão orbitando em torno do núcleo, perderiam rapidamente energia e cairiam seguindo espirais até este núcleo.

Em 1913 Bohr propôs que os elementos atômicos estão também "quantizados", no sentido de que podem permanecer em certos níveis fixos sem perder energia. Quando os elétrons saltam de um nível a outro, absorve ou emite energia eletromagnética em quantidades discretas. Estes pacotes de energia são, de fato, fótons.

A razão pela qual os elétrons atômicos haviam de comportar-se deste modo descontínuo não foi, entretanto, esclarecida até quando se descobriu a natureza ondulatória da matéria. O trabalho experimental de Clinton Davisson e outros e o trabalho teórico de Louis de Broglie conduziram à idéia de que os elétrons, assim como os fótons, podem comportar-se como ondas e como partículas, dependendo das circunstâncias de cada caso. Segundo a descrição ondulatória, os níveis de energia atômicos propostos por Bohr correspondem a estados de ondas estacionárias ao redor do núcleo. De modo muito parecido ao que se pode fazer numa cavidade ressonante para diferentes notas musicais discretas, assim os elétrons vibram em certos estados definidos de energia. Somente quando, devido à transição de um nível de energia a outro, a estrutura muda, produz-se uma perturbação eletromagnética com emissão ou absorção de radiação.

Colapso do átomo clássico. (a) As teorias de Newton e Maxwell predizem que um elétron atômico que segue uma órbita irradiará continuamente ondas eletromagnéticas, perdendo assim energia e caindo em espiral até o núcleo. (b) A teoria quântica prediz a existência de níveis de energia discretos não radioativos nos quais a onda associada ao elétron precisamente ajusta-se ao redor do núcleo, formando padrões de ondas estacionárias reminescentes das notas num instrumento musical. (A onda deve ajustar-se-á também na direção radial).

Fica claro de imediato que não somente os elétrons, mas todas as partículas subatômicas, estão sujeitas a um comportamento semelhante. Evidentemente, as leis tradicionais da mecânica formulada por Newton, assim como as leis do eletromagnetismo de Maxwell, fracassaram completamente no micromundo dos átomos e das partículas subatômicas. Até a metade da década de 1920, um novo tipo de mecânica - a mecânica quântica - havia sido desenvolvida independentemente por Erwin Schrödinger e Werner Heisenberg para levar em conta esta dualidade onda-partícula.

A nova teoria teve um êxito espetacular. Em seguida ajudou aos cientistas a explicarem a estrutura dos átomos, a radioatividade, a ligação química e os detalhes dos espectros atômicos (incluindo os efeitos dos campos elétricos e magnéticos). Elaborações ulteriores da teoria por Paul Dirac, Enrico Fermi, Max Born e outros conduziram, com o tempo, a explicações satisfatórias da estrutura e reações nucleares, as propriedades elétricas e térmicas dos sólidos, a supercondutividade, a criação e aniquilação de partículas elementares da matéria, a predição da existência de antimatéria, a estabilidade de certas estrelas colapsadas e muito mais. A mecânica quântica tornou possível também um importante projeto em instrumentação prática, que inclui o microscópio eletrônico, o laser e o transistor. Experimentos atômicos tremendamente delicados tem confirmado a existência de sutis efeitos quânticos com um assombroso grau de exatidão. Nenhum experimento conhecido nos últimos cinqüenta anos está em contradição com as predições da mecânica quântica.

Este catálogo de triunfos singulariza a mecânica quântica como uma teoria verdadeiramente notável - uma teoria que descreve corretamente o mundo a um nível de precisão e detalhe sem precedentes na ciência. Hoje em dia, a grande maioria dos físicos profissionais empregam a mecânica quântica, senão quase impensadamente, pelo menos com completa confiança. Contudo, este magnífico edifício teórico está alicerçado sobre um profundo e molesto paradoxo que tem levado alguns físicos a declararem que a teoria não tem sentido finalmente.

O problema, que de fato surgiu nos finais dos anos 1920 e começo dos 1930, tem a ver não com os aspectos técnicos da teoria, mas com a sua interpretação.
ONDAS OU PARTÍCULAS?

A peculiaridade do "quantum" se constata facilmente pelo modo em que um objeto, como um fóton, pode manifestar propriedades ondulatórias e corpusculares. Pode-se fazer com que os fótons produzam figuras de interferência e difração, o que verifica sua natureza ondulatória. Por outro lado, no efeito fotoelétrico os fótons extraem elétrons de um metal colidindo com eles. Neste caso, o modelo corpuscular da luz parece mais apropriado.

A coexistência das propriedades ondulatórias e corpusculares leva rapidamente a algumas conclusões surpreendentes sobre a natureza. Consideremos um exemplo familiar. Suponha que um feixe de luz polarizada incide sobre uma peça de material polarizante. A teoria eletromagnética ordinária prediz que se o plano de polarização da luz é paralelo ao do material, transmite-se toda a luz. Pelo contrário, se são perpendiculares, não se transmite luz alguma. Para ângulos intermediários se transmite alguma quantidade de luz; por exemplo, a 45º a luz transmitida tem exatamente a metade da intensidade do feixe original. Isto tem sido confirmado experimentalmente.

A crise de previsibilidade. (a) Classicamente, a luz de onda polarizada atravessará o polarizador com uma intensidade reduzida cos2q emergindo polarizada na direção vertical. Visto como um fluxo de fótons idênticos, este fenômeno pode somente se explicar supondo que alguns fótons passam e outros ficam bloqueados, de modo imprevisível, com probabilidades respectivamente cos2q, sen2q . (b) Note-se que a onda incidente poderia ser considerada como uma superposição de ondas polarizadas verticalmente e horizontalmente.

Pois bem, se a intensidade da luz incidente se reduz de modo que somente um fóton passa de cada vez através do polarizador, encontrar-nos-emos em uma situação paradoxal. Posto que um fóton não pode dividir-se em partes, qualquer um deles deve ou passar ou bem ser bloqueado. Num ângulo de 45º, aproximadamente a metade dos fótons devem ser transmitidos, embora a outra metade seja bloqueada. Mas quais deles passam e quais não passam? Como se supõe que todos os fótons da mesma energia são idênticos e, portanto, indistinguíveis, somos obrigados a concluir que a transmissão de fótons é um processo puramente aleatório. Ainda que qualquer fóton tenha uma probabilidade de 50 % (1/2) de passar, é impossível predizer quais deles em particular o farão. Somente podem-se dar as probabilidades. Ao variar o ângulo, a probabilidade pode mudar de 0 a 1. A conclusão é intrigante e inclusive desconcertante. Antes do descobrimento da física quântica supunha-se que o mundo era completamente previsível, ao menos em princípio. Em particular, se se realizavam experimentos idênticos, esperavam-se resultados idênticos. Mas, no caso dos fótons e o polarizador, podia muito bem ocorrer que dois experimentos idênticos produzissem resultados diferentes, de modo que um fóton passe através do polarizador enquanto que o outro fica bloqueado. Evidentemente, o mundo não é, depois de tudo isso, completamente previsível. Geralmente, até que não se termina uma observação não se pode saber qual será o destino de um fóton dado.

Estas idéias implicam na existência de um elemento de incerteza no micromundo dos fótons, elétrons, átomos e outras partículas. Em 1927, Heisenberg quantificou esta incerteza em seu famoso princípio de indeterminação (ou incerteza). Uma forma de expressar o princípio se refere às tentativas de medir a posição e o momento de um objeto quântico simultaneamente. Especificamente, se, por exemplo, tratamos de localizar muito precisamente um elétron, somos forçados a renunciar a informação sobre seu momento. Reciprocamente, podemos medir o momento do elétron com muita precisão, mas então sua posição fica indeterminada. O simples ato de tentar fixar um elétron específico introduz uma perturbação incontrolável e indeterminada em seu momento e vice-versa. Mais ainda, esta ineludível restrição sobre nosso conhecimento da posição e o momento de um elétron não é meramente conseqüência de uma falta de destreza experimental; é inerente à natureza. Fica claro que o elétron simplesmente não possui posição e momento simultaneamente.

Segue-se então que há no micromundo uma confusão intrínseca que se manifesta sempre que tentamos medir duas quantidades observáveis incompatíveis, tais como a posição e o momento. Entre outras coisas, esta confusão derruba a idéia intuitiva de um elétron (ou fóton, ou qualquer outra partícula) movendo-se segundo uma trajetória espacial bem diferenciada. Para que uma partícula siga uma trajetória bem definida deve possuir em todo instante uma localização (ponto sobre a trajetória) e um momento (vetor tangente à trajetória). Mas uma partícula quântica não pode ter ambas as coisas ao mesmo tempo.

Ordinariamente, supomos que umas leis estritas de causa e efeito dirigem o projétil até seu alvo ou o planeta em sua órbita segundo uma trajetória geométrica exatamente definida no espaço. Não duvidaríamos que, quando o projétil encontra o alvo, seu ponto de colisão representa o ponto final de uma curva contínua que começou no cano da escopeta. Isto não é assim para os elétrons. Podemos diferenciar um ponto de partida e um ponto de chegada, mas nem sempre podemos inferir que havia uma rota definida conectando-os.

Talvez onde esta confusão se mostra mais claramente é no famoso experimento da dupla fenda de Thomas Young.

No dito experimento um feixe de fótons (elétrons) provenientes de uma pequena fonte, viaja até uma placa perfurada com duas estreitas aberturas. O feixe cria uma imagem dos buracos sobre uma segunda placa.

Ondas ou partículas? Neste experimento da dupla fenda os elétrons ou fótons da fonte atravessam duas aberturas vizinhas no anteparo A e viajam até incidir no anteparo B, onde se registra seu ritmo de chegada. O padrão de intensidade variável que se observa indica um fenômeno de interferência ondulatória.

A imagem consiste em uma clara mostra de "franjas de interferência" brilhantes e escuras, produzidas ao encontrarem-se as ondas que passam por um buraco com as que passam pelo outro. Nos lugares em que as ondas chegam em fase produz-se um reforço, enquanto onde chegam defasadas produz-se um cancelamento. Assim, pois, a natureza ondulatória dos fótons fica claramente demonstrada.

Mas pode se considerar que o feixe é formado de partículas. Suponha-se que a intensidade do feixe se reduz tanto que somente um fóton ou elétron atravessa cada vez o aparelho. Naturalmente, cada um deles chega a um ponto definido sobre a imagem do anteparo, que pode ser registrada como uma pequena marca. Outras partículas chegam a outros lugares, deixando suas próprias marcas. O efeito parece a princípio aleatório. Mas começa a surgir uma figura do tipo marcado. Cada partícula se dirige a uma lugar particular sobre a imagem no anteparo, não por algum imperativo, mas pela "lei das médias". Quando um grande número de partículas atravessou o sistema, cria-se uma figura organizada.

Esta é a figura de interferência. Assim, pois, um dado fóton ou um dado elétron não produz uma figura; somente dá lugar a uma simples marca. Entretanto, cada fóton ou elétron, ainda que em princípio possa ir livremente a qualquer lugar, coopera de modo que a figura de interferência se construa de maneira probabilística. Pois bem, se uma das duas aberturas permanece fechada, o comportamento em média dos elétrons ou fótons muda dramaticamente; de fato, a figura de interferência desaparece. Não pode ser tampouco reconstruída mediante a superposição das duas figuras obtidas registrando as imagens provenientes de cada uma das duas fendas sozinhas. A interferência se manifesta somente quando as duas fendas estão abertas simultaneamente. Portanto, cada fóton ou elétron deve de algum modo dar-se conta individualmente de se ambas fendas, ou só uma delas, estão abertas. Mas como podem fazer se são partículas indivisíveis? Parece evidente que cada partícula possa passar somente através de uma fenda. E, entretanto, a partícula "conhece" de alguma maneira o estado da outra fenda. Como?

Um modo de responder a esta pergunta é recordando que as partículas quânticas não tem trajetórias espaciais bem definidas. As vezes é conveniente imaginar que cada partícula possui de certa maneira uma infinidade de trajetórias diferentes, cada uma das quais contribui ao seu comportamento. Estas trajetórias ou caminhos passam através de ambas fendas e levam informação sobre cada uma delas. Assim é como a partícula se mantém informada do que se sucede em uma região extensa do espaço. A confusão em sua atividade a capacita a "perceber" muitos caminhos diferentes.

Suponha-se que um físico incrédulo colocara detectores diante das duas fendas para saber antecipadamente para qual delas se dirigirá um elétron em particular. Não poderia o físico então fechar num golpe a outra fenda sem que o elétron se "inteire", deixando assim inalterado seu movimento? Se analisarmos a situação, levando em conta o princípio da incerteza de Heisenberg, podemos ver que a natureza acaba vencendo o astuto físico. Se a posição do elétron se mede com a precisão suficiente para poder distinguir de qual fenda se aproxima, perturba-se tanto seu movimento que a figura de interferência aparentemente desaparece! O simples ato de investigar aonde vai o elétron assegura o fracasso da cooperação entre as duas fendas. Somente se decidirmos não marcar o caminho do elétron é quando ela mostrará seu "conhecimento" dos dois caminhos.

John Wheeler assinalou uma intrigante conseqüência da dicotomia que acabou de se mencionar. A decisão de realizar o experimento para determinar a trajetória do elétron ou renunciar a esta informação e, em lugar dela, experimentar com figuras de interferência pode demorar até depois de que qualquer elétron dado tenha atravessado o aparelho! Neste, assim chamado, experimento de "escolha retardada" ("delayed-choce") parece como se o que o experimentador decide agora pudesse influir em algum sentido sobre como as partículas quânticas haviam se comportado no passado, ainda deve-se assinalar que a imprevisibilidade inerente a todos os processos quânticos proíbe que este dispositivo seja usado para enviar sinais para trás no tempo ou para "alterar" de alguma maneira o passado.